Notas para a apresentação do

Memorial das Famílias do Cadaval – Ribeiro 

Do meu amigo de longa data António Francisco Da Franca Ribeiro 

Pediu-me o meu amigo António Da Franca Ribeiro que apresentasse o seu livro Memorial das Famílias do Cadaval – Ribeiro 

Quem é Franca Ribeiro? Nasceu na Casa de Dom Lobo (em A do Dom Lobo ou Adão Lobo como ele explica), freguesia do Cadaval em 1945. Licenciado em Artes Plásticas - Escultura pela Faculdade de Belas Artes de Lisboa, senhor da Casa de Dom Lobo, fez o seu serviço militar em Moçambique (1967- 70), frequentou um ano de Agronomia, foi professor nas escolas de Alenquer, Alcanena, Montemor-o-Novo, Moita, Caldas da Rainha, Cadaval, Torres Vedras, Óbidos, Queijas até a sua aposentação em 2008 na escola de Fernão Pó no Bombarral.

Todos o conhecíamos como professor e igualmente sabíamos que é, desde longa data, investigador de História da Família, de Genealogia, de Heráldica e de Semiologia, tendo diversos estudos publicados nestas aéreas, em seminários regionais e revistas das especialidades, que constam em várias bibliografias.

Enfim, trata-se de um pequeno resumo do curriculum de António Francisco Da Franca Ribeiro que, como ficamos a saber, é descendente de D. Pedro Nunes Ribeiro, o “Pestanas de Cão” (pág. 101).

Mas vamos ao livro que ele pretende que eu apresente.

Não pude recusar, pois ele ficaria muito aborrecido comigo. Claro que eu teria umas boas desculpas. Uma, seria que fui recentemente admitido na nossa associação, havendo muitos outros mais qualificados e prestigiados para fazerem a apresentação. Outra, seria que não nos víamos há mais de 40 anos e, não tendo seguido as suas actividades, me seria difícil apresentá-lo. Outra, seria que estou envolvido em tantos projectos que não teria tempo.

Não consegui escapar… não tive coragem para recusar fazer este número.

Encontrámo-nos recentemente, por mero acaso, na mesma mesa, num dos jantares desta nossa associação, a Associação Portuguesa de Genealogia. Até tivemos dificuldade em nos reconhecer: mais gordos e careca que estou.

E nesse jantar trocámos impressões sobre os nossos percursos: ele, que há longos anos investigava os seus antepassados, e eu, reformado desde 2004, já tinha editado 5 livros de história e genealogia cobrindo Leiria e os meus antepassados.

Assim, quando lhe expliquei como conseguia ir publicando os meus trabalhos de genealogia e de história, ficou tão entusiasmado que me propus ajudá-lo. Dei-lhe os contactos dos meus editores em Leiria, e ele próprio escolheu a Textiverso, cujo responsável, o Eng. Carlos Fernandes, se encontra entre nós.

Sem ele, o Eng. Carlos Fernandes, muitos dos meus livros não teriam um layout capaz e o preço seria muito elevado. Com respeito a erros e gralhas eu gostaria, como muitos outros autores, que só fossem publicados livros em 2.ª edição… e revista.

Parece que tivemos sorte, pois que António Da Franca Ribeiro conseguiu publicar o seu trabalho sobre os Ribeiros do Cadaval. Claro, com muito sofrimento, como ele explica, na página 19, pois gostaria de ter “ajuntado” mais uma centena de páginas. E nós… temos igualmente sorte porque ficamos a conhecer um pouco melhor a história daquela região e das gentes que por lá habitaram.

Assim, quando o António Da Franca Ribeiro me convidou a apresentar este seu livro, não pude dizer que não. Considero-me um pouco responsável por esta “aventura”, pois se lhe expliquei como fazer a edição, se o incentivei a publicar os seus estudos (ele nos explicará, dentro de momentos, há quanto tempo os fazia), não me parecia "bonito" recusar o pedido de um amigo de há 40 anos.

Tenho uma formação de engenheiro e sou “ordenado”, pois pertenço à Ordem dos Engenheiros. Sou capaz, efectivamente, de obter mais facilmente resultados, que um historiador ou um filósofo, ou um diplomado em Belas Artes.

Nós, os engenheiros, achamos que, por exemplo, jogar futebol é bonito, mas, consideramos que o objectivo é meter a bola na baliza do adversário e não passar os 90 minutos a jogar.

Foi o que fez nosso confrade Da Franca Ribeiro, talvez com um empurrão meu: meteu “golo”.

Estudou, investigou, teorizou... Durante alguns anos. Deve ter lido muito, trabalhado sem tréguas e lidar sem sesta.

Mas agora meteu o golo: publicou. Quantos de entre nos não gostaríamos de ter feito o mesmo?

Mas, como acabei de vos dizer, eu não sou historiador, nem genealogista. Não, não sou historiador, já que a “História requer mais engenho, mais fineza de juízo e força de discernimento”, como afirma Frei Domingos Vieira nas sua memórias sobre a Ordem dos Eremitas de Santo Agostinho, do que aqueles que eu uso nos meus trabalhos.

Assim serei capaz de apresentar o livro do António Da Franca Ribeiro?

Será que, quando estudo genealogia ou história, serei capaz de o fazer bem? Será que consigo “demonstrar uma relação causa-efeito”?

E serei um cientista? De facto, o procedimento científico é o seguinte: suponhamos que estamos a ver uma parede à nossa frente. Olhamos, apreciamos e determinamos: é uma parede.

Mas um cientista não pode chegar desta forma a esta conclusão. Tem de provar. Uma solução é dar uma cabeçada no objecto, a parede, como propõe o historiador Paula Varela Gomes num artigo, na semana passada, no Público.

Bem… uma fez feito o galo na cabeça, é necessário testar uma outra vez, porque uma prova não chega: Arranja-se mais uma grande dor de cabeça e já se pode publicar um artigozito numa revista. Os jornais portugueses farão umas peças com o título “cientista português prova que existem paredes”.

Bom, isto é para as ciências exactas, a minha área de conhecimento.

Mas para a história? Para a história é a mesma coisa. Sei que se passou determinado evento ou se desenvolveu determinada actividade, pois tive o discernimento e o engenho de o “descobrir” ao consultar algumas fontes. Mas não posso prová-lo directamente com documentos. Tenho que fingir que sou estúpido… É evidente que a estupidez científica é útil para impedir que se tirem conclusões precipitadas ou que se generalize abusivamente.

António Da Franca Ribeiro apresenta-nos um livro, obra de alguns anos, onde demonstra uma profunda curiosidade, engenho e fineza de juízo e muito discernimento como o recomenda o agostinho frei Domingos Vieira.

Todos nós sabemos as dificuldades que encontramos, como genealogistas, para construir uma narrativa coerente das famílias que estudamos. Alguns têm mais sorte que outros. António Da Franca Ribeiro teve sorte pois pegou nos Ribeiros do Cadaval, no fundo a sua família.

Sabemos como é importante, quando se estuda uma família, "percebê-la". Quem melhor que António Da Franca Ribeiro para, com discernimento e curiosidade, percebê-la? Enfim, entender quais foram as suas estratégias, suas alianças, seu posicionamento social, etc.

A elaboração da genealogia dos Ribeiros do Cadaval levou a que ele se cruzasse com todo os tipos da nossa sociedade: ilustres proprietários agrícolas, lavradores abastados, padres, morgados, fazendeiros, prostitutas (que se chamavam de barregãs, ou amantes), ou ainda jornaleiros, ou mesmo escravos. Claro que ele encontrou igualmente gentes de estatuto superior, com actividades a nível nacional e internacional e que deram à Casa Real, ou ao Estado, serviços muito relevantes. Enfim, cruzou-se com a vida…

Ele afirma que no Concelho do Cadaval, e com origem neste concelho, não existe uma outra família com história tão ilustre, e procura prová-lo.

Assim, Franca Ribeiro, como genealogista, lidou com a morte, com a memória, com a história, com a biologia (sim, com a biologia ao avançar pelos modernos caminhos da determinação do ADN), reconstruindo uma identidade de uma família que se julgava (alguns pensavam-na) perdida na voragem dos tempos modernos.

Vemos que ele reconstrói uma identidade. Ele dá coerência à existência dos actuais membros da família Ribeiro, pois mostra-lhes de onde vêm.

Mas vamos ao livro.

Trata-se de um “tijolo” de quase 400 páginas, que se lê muito bem.

O livro tem duas partes distintas. Na primeira, o autor chama-a de “Fio de Ariadna”, onde ele coligiu todas as notícias referente à família Ribeiro medieval dentro do antigo concelho de Óbidos onde cabia o Cadaval e o seu termo.

Na segunda, o autor tenta reconstruir a genealogia da família mas depara-se, naturalmente, com ramos sem entrada ou saída genealógica, sempre pela embaraçosa falta de registos paroquiais. Intitula esta parte de “Labirinto”.

Ele salienta a dificuldade de encontrar documentação pois não conseguiu chegar à Chancelaria da Casa Cadaval.

Relata casos como aqueles de “saltos” genealógicos de 200 anos justificados por uma simples carta de armas do século XX (pág. 61 a 62), ou pelo simples exame de documentos medievais que ao mencionar um indivíduo com o mesmo patronímico do que aquele do século XVI ou XVII se assume que um é avô e o outro neto (pág. 41).

Mas tem um “buraco negro” de desconhecimentos sobre os Ribeiros entre 1385 e 1464 (pág. 122).

Claramente descarta conclusões erradas de outros autores, como o das “Memórias de Óbidos” (pág. 84), ou entra em polémica com Braamcamp Freire (pág. 88), com Cristóvão Alão de Morais (pág. 93 e 94) ou ainda com Pedro Azevedo (nota 313).

Vai contra a classificação, como ele diz, “discriminatória e não histórica” do livro Verde de que só existiam cinco famílias principais ancestrais na emergente nação portuguesa (pág. 95).

Deixa enigmas insondados (pág. 91).

Afirma que, como Dona Brites (ou Beatriz) Pereira (Ribeiro e Alvim) se casou com o Infante D. João, 1º Duque de Bragança, são descendentes dos Ribeiros os Duques de Bragança, os de Cadaval, os Marqueses de Valença, os condes do Vimioso, etc., etc., incluindo D. Manuel I, a Rainha de Castela, Dona Isabel a Católica, o Imperador Carlos V, o Rei-Sol Luís XIV, a actual casa Real de Espanha, a Casa Real da Bélgica, etc., etc. (pág. 105 e nota 268).

Todos nós sabemos que a história se produz com documentos. São as nossas fontes de trabalho. Claro que a história da Família, de que a Genealogia é uma parte essencial, também não passa sem esses famigerados documentos. Acontece que nem sempre, como hoje, a sociedade portuguesa produziu tantos documentos, nem o grau de alfabetização era o actual.

Quando se começa a “avançar” retrospectivamente, no estudo dos seus antepassados, percebemos que existe um determinado afunilamento documental, pois à medida que “avançamos”, mais vai escasseando a documentação.

Os fidalgos, os nobres, os membros das governanças, os grandes comerciantes e proprietários, pelos seus percursos sociais e tendo mais cargos e bens, acabaram por ser aqueles que não só produziram mais volumosos arquivos pessoais e familiares, como foram aqueles que deixaram um rasto na documentação oficial do Estado português.

Por vezes são processos judiciais ou inquisitoriais que nos fornecem informações preciosas. Outra vez são documentos que encontramos nos cartórios notariais. Outra vez são entradas em genealogias, etc.

Evidentemente, cada um valorizará o que entender e com engenho, fineza de juízo e força de discernimento determinará o que deverá valorizar. Mas sempre analisando e julgando com fineza e discernimento os documentos encontrados. Foi o que Franca Ribeiro fez.

A História é memória e a memória é selectiva e, em consequência, por exemplo, existem tradições familiares em que precisamente se identificam os elementos daquele grupo humano. Os símbolos heráldicos são invocações iconográficas de pertença, remontando a um epónimo. Mas os indivíduos simples, daquele grupo humano, sem rasto documental, também os podemos incluir no nosso estudo quando o sistema de determinação do ADN for generalizado.

Há uns anos, um ilustre genealogista, já falecido, dizia a um outro senhor muito vaidoso de determinados costados dos quais fazia gala: “Meu caro, se não fossem os padres, as prostitutas, os ladrões e todos os outros marginais, não estaríamos agora aqui a ter esta interessante cavaqueira.”

Rocha Martins, num pequeno opúsculo de 40 páginas, relata as “aventuras” da Ribeirinha, a amante de D. Sacho I, de uma forma muito saborosa. Claro que ele tem o cuidado de afirmar que a investigação deste caso histórico está rigorosamente feita num artigo do conde de Sabugosa intitulado “Donas de Tempos idos”.

O Abade de Jazente, Paulino António Cabral (1719 – 1789) escreveu:

Qualquer homem como eu tem quatro avós.

Estes quatro por força dezasseis

Sessenta e quatro a estes contareis

Em só quatro gerações que expomos nós.

Se o cálculo precede, espertai vós:

Que pela proa vêm cinquenta e seis

Sobre duzentos mais lhe dareis,

Que chapéu de cardeal que espalha em nós!

Se um homem só dá tanto cabedal,

Dos ascendentes seus, que farão mil?

Uma província? Todo o Portugal?

Por esta conta, amigo, ou nobre ou vil,

Sempre és parente do marquês de Tal

E também do porteiro Afonso Gil.

Cada um deve orgulhar-se do que quiser, nomeadamente daquilo que traz em si e que ajude a fazer esta terra um bom sítio para se viver.

Ricardo Charters d’Azevedo

Lisboa e Clara Jardim*Restaurante, 17 de Junho de 2011