Agradeço ao Jornal das Cortes o convite formulado para a apresentação do livro “Escritos de Manuel Moleiro”.

Aceitei de imediato, e com muita honra, por diversas razões, mas muito particularmente pela elevada estima e consideração que tinha pelo autor do livro.

Começo por realçar as qualidades do Manuel Moleiro enquanto homem e cidadão para, seguidamente, tecer alguns considerandos sobre a sua obra literária enquanto prosador e, sobretudo, poeta genuinamente das Cortes e Leiria.

Manuel de Oliveira Fernandes, mais conhecido entre nós por Manuel Moleiro, foi um bom e exemplar cidadão, muito à frente do seu tempo relativamente ao seu semelhante no campo intelectual, literário e sobretudo na poesia.

Tive a felicidade de o conhecer durante a vigência do Centro Paroquial das Cortes. Foi na colectividade então com sede junto à igreja matriz, ambos na qualidade de elementos dos órgãos sociais, que eu tive a oportunidade de o conhecer melhor em conversas várias que me permitiram respirar ensinamentos e absorver valores éticos e morais que marcaram indelevelmente e positivamente a minha personalidade e os princípios que agora me caracterizam.

Manuel Moleiro impressionou-me pela sua postura íntegra e pelas múltiplas qualidades de homem bom e sensato, sabendo ouvir para, em respostas simples, sábias e directas, manifestar os seus pontos de vista. Era impressionantemente calmo, assertivo nos comentários, bom conselheiro, moralista, discreto e infinitamente humilde.

Na escola primária, segundo o testemunho de um seu contemporâneo, foi um excelente aluno e, desde sempre, um entusiasta pela leitura.

Concluída a escola primária, qualquer rapaz nesse tempo tinha a sua sina marcada: ou recebia como prémio uma caneta de dois “bicos” (vulgo enxada), para a iniciação de cavador nas terras vinhateiras das Cortes, ou, com alguma sorte, iniciaria uma profissão ou se empregava no comércio em Leiria, como marçano. Ao Manuel Moleiro calhou-lhe a actividade de moageiro, e, sempre que fazia distribuições às casas dos clientes, conduzindo em cima do carro da mula, não perdia a oportunidade de ler um qualquer jornal. Aos olhos de algumas pessoas mais limitadas, fruto de um meio fechado, esse hábito e gosto pela leitura não era normal, sujeitando-se por isso a ouvir algumas bocas como esta: “Ó Manel, ensina a mula a ler!”

A faceta talentosa de Manuel Moleiro enquanto poeta e prosador só a conheci a partir da 1ª edição do Jornal das Cortes. Eu sabia que escrevia e que esses manuscritos iam para o fundo da gaveta. Foi a partir de então que o nosso bom amigo passou a colaborar continuamente com o Jornal, através dos seus encantadores poemas e contos de Natal assinados com o pseudónimo “Zeraskerda”, não havendo qualquer conotação política pelo termo mas apenas e só, porventura, uma forma exteriorizada de se justificar com pedido de desculpas às pessoas pelos seus dons artísticos incertos em cada um dos textos poéticos. Pessoa desinteressada, nunca procurou a fama nem se pôs em tempo algum em bicos de pés, característica, aliás, só dos grandes vultos da nossa história.

Ainda antes de algumas referências ao livro propriamente dito e à sua obra, foi o Manuel Moleiro e outros valiosos escritores e poetas das Cortes que espiritualmente me incentivaram a propor ao Carlos Fernandes a criação de um jornal para a nossa freguesia [de Cortes – Leiria].

Evocar esses grandes nomes que agora prefiro não mencionar pelo receio de falhar por omissão; valorizar a história da terra; criar hábitos de leitura entre a comunidade; estabelecer contactos umbilicais entre os locais residentes e emigrantes; propulsionar o desenvolvimento sustentado das Cortes e da região e claro, dar voz a muitos talentos esquecidos na área artística literária e intelectual – foram, entre outros, estes factores que determinaram o lançamento do Jornal das Cortes, agora mesmo a comemorar a suas bodas de prata.

Nem todos os sonhos se concretizaram, por enquanto, mas os textos de Manuel Moleiro agora compilados em livro são mais um dos sonhos materializados.

Poeta versátil, o jogo harmonioso das suas frases traduzidas em poesia é de uma doçura e encantamento que nos humedece a alma.

Permitam-me evocar, aqui mesmo, a quadra vencedora de um concurso de quadras populares promovidas pelo Jornal das Cortes e apresentadas no antigo salão paroquial:

 

Quem pensa em não errar

Pense bem e se convença

Que por vezes ao pensar

Pensa que pensa e não pensa.

 

Os seus textos poéticos, com sabor a mel, são estruturados de acordo com a escola dos autores clássicos onde predomina o mote repartido em estrofes onde a presença e o sentimento romântico se fazem sentir em cada uma das suas frases harmónicas, cheias de musicalidade e sentimentos espiritualmente afectivos.

É o caso, por exemplo, do texto poético “Amor com letra grande” (página 96).

Não sendo natural das Cortes, Manuel Moleiro assumiu-se como Cortesense de gema, apaixonando-se por esta terra. Eis um exemplo explícito nas seguintes duas estrofes:

 

Ó Cortes ó vida minha,

Noiva de branco a noivar

Ó princesa ó rainha,

Regaço de senhorinha

Fascínio do meu olhar.

 

Sereia do meu encanto,

Elo da minha razão.

Por sempre te querer tanto,

É com fervor que te canto

Cortes do meu coração.

 

Versou muitos temas como as Cortes, os seus lugares, Leiria, cantou o rio Lis, lembrou as crianças, falou à mocidade, lembrou os namorados, abordou temas de cariz campestre entre muitos temas ternurentos.

Homem de sentimentos puros, a humildade, a concórdia, bom senso e a sua paz interior foram marcas vincadas na sua personalidade que norteou a sua vida e o iluminou.

Apenas duas estrofes a propósito:

 

Se não houvesse vaidade,

Nem orgulho ou presunção

Se não houvesse maldade,

Mas boa compreensão.

 

Se o mundo fosse capaz

De um dia ter juízo

Ficava a guerra para trás,

Na terra haveria paz.

 

De forma singela, denuncia os malefícios da corrupção e da droga; aconselha e traça o trilho das boas acções; ensina-nos as boas maneiras e propõe a justeza dos bons princípios. Um belo testemunho de princípios morais que tanta falta nos faz actualmente, na presente crise de valores nesta nossa sociedade com ambição desmedida desejosa do poder, nesta tão efémera e breve passagem por esta vida terrena.

Seria fastidioso referir-me no concreto a outros poemas que constam nesta obra do Manuel Moleiro. Por isso, reafirmo convictamente que pode e deve ser um livro de cabeceira para cada um de nós, já que a sua mensagem e conteúdo nos dão referências e são o bálsamo de virtudes que nos podem tornar a vida mais dócil e apaziguadora.

As “Filosofias do Zeraskerda” são uma outra das suas talentosas facetas. Fruto da sua vivência e da dureza da vida, Manuel Moleiro denuncia igualmente em verso a ignorância e má consciência de algumas pessoas; adverte subtilmente e pela negativa alguma feminilidade menos bem formada; faz apologia à cultura e à importância do ser em detrimento do ter; valoriza o trabalho como um bem necessário para a realização e subsistência humana; minimiza a vaidade e valoriza o amor. São pensamentos filosóficos espiritualmente saudáveis que vale a pena ler e sobre que vale a pena reflectir.

Em prosa salientou-se, particularmente, nos contos de Natal, que terminam quase sempre numa perspectiva positiva, moralista e reconciliadora. Acalenta e dá esperança aos desafortunados da vida. Faz a apologia da paz e da reconciliação familiar. Denuncia os exploradores, a miséria e defende os oprimidos. Pela sua matriz cristã o menino Jesus faz os seus milagres e liberta os infelizes. A sua cultura religiosa era sólida e a sua fé manifestava-se nos actos práticos e nas acções de caridade. Na defesa dos infelizes e desprotegidos, revelou mais uma vez através dos referidos contos de Natal as suas inatas qualidades humanas.

Ainda como prosador e no capítulo “Lições ad-hoc”, vale a pena ler toda a temática. Desde “O buraco”, “A palavra”, “O sol e a sombra”, “A viola”, “O sono e o sonho”, até “Apena e “A dança”, aconselho-vos a respectiva leitura, onde a realidade com a moralidade se misturam de ironia e nos preenchem e nos aconchegam o coração.

Escreveu um texto em prosa com o título “A magia do P”, com tema dedicado a D. Pedro de Portugal, onde o jogo das palavras, o povo, a ironia e o humor se conjugam em perfeita harmonia com os princípios, usos e costumes de uma país potenciador de bons profissionais, excelentes pensadores assumidamente patriotas e portugueses.

Meu amigo Manuel Moleiro, no seu texto “Amigos e amizades”, escrito com toda a clarividência sobre factos da vida humana, devo dizer-lhe que apenas conversei consigo com alguma regularidade, ainda era eu um rapazote no tempo do Centro Paroquial. Depois disso, muito poucas foram as vezes que voltámos a conversar, mas nem por isso esqueci os ensinamentos que recebi e nem por isso deixei de ter por si uma grande admiração desinteressada e do fundo do coração.

Precisamos de bons exemplos, de grandes referências morais, éticas e intelectuais. O senhor, como afirmam os seus filhos Ema e Nuno, é um farol que nos ilumina e orientará, para quem ler a sua obra, a presente e as futuras gerações por forma que Portugal se afirme de uma vez por todas como um país de pensadores com pessoas íntegras e patrioticamente portuguesas.

Manuel Moleiro deixou-nos no dia 12 de Maio de 2012. Carlos Fernandes, no prefácio, faz referência ao prenúncio do fim da linha de vida do autor com esta enternecedora estrofe:

 

Por aquilo que se sente,

Já se tem por mais que certo

Que o fim está perto,

E se tornou evidente

Que termina a viagem

Porque o Inverno chegou

À vida que se acabou.

Foi breve a sua passagem.

 

Nessa altura propus ao nosso caro amigo Carlos Fernandes a publicação de um livro em sua homenagem para os presentes e vindouros.

Sinto-me saciado por concretizar este sonho sobre a obra do nosso escritor e poeta “Aleixo das Cortes”, que passa a constar na galeria de honra dos autores locais.

Muito obrigado Manuel Moleiro pelo seu exemplo e pelo seu legado literário na defesa da cultura e dos nobres valores humanos.

José Bento

Cortes, 16 de Dezembro de 2012.