Carlos FernandesUma das primeiras questões que se colocará cada um dos presentes e a maioria dos familiares Pereira Roldão é, com certeza, “quem é que nos deu origem?”, ou “donde é que virá este apelido Roldão?”. Deixarei o esclarecimento do assunto para a leitura do livro ou para a benevolência do Autor que, se entender antecipá-lo, vos deixará em seguida as linhas mestras do que o ocupou quase duas décadas.
Porque este livro é sobretudo a história pormenorizada, tanto quanto possível, de uma família – a família Pereira Roldão. Estamos, pois, em presença de uma Genealogia, como o autor faz questão de colocar no subtítulo deste estudo. Genealogia é, em termos genéricos, a ciência ou ramo da história que estuda a origem e a sucessão das famílias e de cada um dos seus membros. Na circunstância, é uma obra palpável, porque está escrita e pode ler-se. Como tal, apresenta a exposição alfabética e, depois, cronológica da filiação de um casal de antepassados, a origem e a evolução desta família e as relações de parentesco dos seus membros, suas ocupações, aventuras e feitos ou desaires.

É, no meu ponto de vista, uma obra importante porque atravessa transversalmente a história da Marinha Grande e de outras regiões do país. Não é possível falar de uma família tão vasta sem ter presente os contributos sociais, económicos, políticos e culturais que, ao longo do tempo, pelo menos nos últimos três séculos, foram sendo dados às regiões onde se fixou e a que imprimiu a sua dinâmica, com a Marinha Grande indiscutivelmente elevada ao vértice irradiante.

De ferreiro a professor ou comerciante ou industrial, passando obrigatoriamente por vidreiro, oficial de vidraça ou de cristal, lapidário, simples operário, serralheiro, carpinteiro, agricultor, bancário, arquitecto, escritor ou engenheiro, o espectro das ocupações desta família é tão alargado quanto o permitia e permite o saber e a capacidade empreendedora de cada um, mas também, com o passar do tempo, o efeito de grupo, com a sua rede alargada de influências, a sua presença forte nos centros de decisão e nas áreas vastas mas subtis das movimentações económicas, o seu papel no desenvolvimentos de soluções industriais, muito especialmente na área do vidro, mas também noutras, e, não menos importante, com o seu peso socio-político.

Nesta medida, Gabriel Roldão, ao desenhar o perfil de cada um dos familiares – e a sua tabela de nomes tem cerca de duas mil linhas –, também está a escrever grandes capítulos da história local, que não se faz sem pessoas, que não se faz sem os seus empreendimentos, que não se faz sem a obra e o contributo de cada um. Os últimos trezentos anos da Marinha Grande têm a marca indelével dos Pereira Roldão, e a sua história seria por certo bem diferente sem os feitos e por-fazeres de tão vasta e diversificada família.

O trabalho do Autor é, por si só, um feito: percorrer o país durante quase 20 anos, juntar elementos e dar-lhes coesão, documentar e ilustrar adequadamente cada situação, encontrar a peça para completar o puzzle, ou aguentar o desalento por não ter conseguido uma informação ou um documento ou suportar a desilusão por não ter obtido resposta a um pedido, representam momentos de satisfação e de júbilo que compensam o cansaço e o sacrifício de tantos anos dedicados de forma entusiasta à tarefa, a que alguns momentos de desânimo não foram impedimento, antes desafio estimulante.

Gabriel Roldão não se ficou pelos simples elementos familiares, orais ou patentes em documentos de cada um. Nem sequer restringiu a sua pesquisa às instituições da Marinha Grande, entre elas a Conservatória do Registo Civil e o Cemitério Velho, neste último fruindo da paciência e empenho incomensuráveis de Luís Abreu, que também – e tão bem – prefacia este livro. Ele teve paciência bastante para ir mais longe, respondendo a essa «vontade indomável de querer saber alguma coisa em busca da identidade original». E do Arquivo Distrital de Leiria à Torre do Tombo, passando pela Conservatória do Registo Civil de Leiria e pela Igreja dos Mormons, que dispõe de microfilme dos assentos paroquiais de meio mundo, incluindo a Marinha Grande, o Autor conseguiu colher e reunir em 468 páginas um precioso conjunto de informações que são simultaneamente genealogia e história local. Não se pode escrever a história da Marinha Grande sem se ser sistematicamente interpelado pelo papel que a família Pereira Roldão desempenhou em todas as vertentes da sua tessitura.

Para além das biografias e demais elementos acessórios, o Autor concebeu uma tabela cronológica enormíssima onde, para além dos nomes de cada um dos elementos da família, figuram, sempre que é possível, quatro datas essenciais: nascimento, baptismo, casamento e falecimento. A estes elementos acrescenta ainda o nome dos padrinhos de baptismo e das testemunhas de casamento. Um outro elemento importante desta tabela é a profissão, que nos permite ter uma visão alargada da ocupação profissional da família ao longo do tempo (de cerca de 1730 em diante), a que se junta uma coluna de notas extremamente curiosas, com informações sobre local de nascimento ou de residência, relações familiares, origem legal ou de exposição e outras informações que ajudam a completar a “fotografia” de cada qual.
«“PEREIRA ROLDÃO” – Velha Família da Marinha Grande» é uma obra-prima no seu género na Marinha Grande, não tanto pela metodologia adoptada e da qual pouco se pode fugir, mas antes pela abrangência em termos cronológicos, não se furtando mesmo ao tratamento das famílias actuais, com a delicadeza ou susceptibilidade que tal abordagem implica. O Autor tem consciência de que muito ficou por dizer e de que alguma coisa vai carecer de ser corrigida – são as vicissitudes da obra em permanente actualização. É para isso que servem as edições seguintes – para corrigir e ampliar. Por outro lado, há a consciência de que o livro, em si, sendo um ponto de encontro, é sobretudo um ponto de partida. Escreve Gabriel Roldão que «esta genealogia da Família “Pereira Roldão”, indo até ao mais profundo das nossas raízes, poderá servir de elemento de trabalho para aqueles que, no futuro, queiram continuar a aventura de fazer perpetuar a nossa identidade».

Um estudo ou um livro desta natureza acrescentam prestígio à família, qualquer que ela seja, reforçando a coesão na sua diversidade. Com mais razão nesta família em particular, pela sua permanência na região e no país, e atravessando já fronteiras, e pelo seu papel no contexto de uma comunidade alargada onde o sentido de família tende a diluir-se. O esforço descomunal que Gabriel Roldão despendeu para o concretizar é credor dos maiores encómios, coisa que sabemos não o envaidecer porque ele dirá sempre que “apenas começou” e “que outros devem agora continuar”. Se ele estivesse à espera de fazer tudo com um rigor e completude irrepreensíveis, por certo o livro ainda estaria por fazer e, mais grave, não estaríamos aqui agora nesta comunhão verdadeiramente familiar. Numa nota final ao livro, ele escreve o seguinte a esse respeito:
«Comecei este trabalho com uma citação da autoria do grande escritor Vergílio Ferreira em “Pensar”: «Era um tipo cheio de escrúpulos e que só escreveria a sua obra de investigação ou emitiria a sua opinião fosse sobre o que fosse depois de esgotar toda a informação para a realizar ou para declarar o seu parecer. Morreu sem acabar a obra. E levou a sua opinião para onde já não era precisa.»
«... e não foi o caso!
«Quero terminar, citando outro apreciado autor, o filósofo e ensaísta Francis Bacon, que escreveu: «Se um homem começar com certezas, acabará com dúvidas, mas se se contentar em começar com dúvidas, acabará com certezas.»
«... e foi o caso!»

No que me diz respeito, e sou apenas responsável pela montagem do livro e pela sua coordenação editorial, enquanto representante da editora Textiverso, que o produziu, não tenho muita certeza se vos consegui transmitir a essência deste livro. Mas há uma coisa de que eu não tenho dúvidas – é que estamos perante um trabalho muito importante e que vale a pena lê-lo e difundi-lo!

Carlos Fernandes
S. Pedro de Moel, 26 de Julho de 2009